O que há por trás da polêmica das Bets?

A explosão das Bets no Brasil é um tema delicado e urgente, que merece a nossa atenção. A palavra "bet", de origem inglesa, significa "aposta" e tem sido usada para se referir às casas de apostas virtuais. Nesse contexto, apostar significa arriscar dinheiro com base em um palpite, na expectativa de receber um prêmio caso a previsão se confirme. Esse é o princípio dos jogos, como o do tigrinho, por exemplo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece o vício em jogos de azar como um trauma que se caracteriza por um desejo incontrolável e compulsivo em continuar apostando, mesmo quando isso traz prejuízos financeiros, sociais ou de saúde. 

POR QUE AS APOSTAS VICIAM O CÉREBRO?

O psiquiatra Lucas Spanemberg, pesquisador do Instituto do Cérebro da PUC-RS, explica que o vício em apostas funciona como outros tipos de dependência (álcool, compras, sexo…). Tudo começa no sistema límbico, o centro de recompensa do cérebro. 

- Dopamina: Esse neurotransmissor é liberado em atividades prazerosas (comer, sexo, convívio social). É essencial para a sobrevivência! 
- Vícios "hackeiam" o sistema: Substâncias ou comportamentos viciantes (como apostas) liberam 10x mais dopamina que atividades normais. 
Exemplo: Se um abraço libera dopamina no nível 10, uma aposta vitoriosa dispara para 100.

O QUE ACONTECE QUANDO O CÉREBRO "VIRA REFÉM '?

- Distorção cognitiva: O cérebro passa a exigir estímulos cada vez mais intensos para sentir prazer. 
- Abandono de outras fontes de alegria: Atividades cotidianas (como encontrar amigos) perdem a graça, afinal, não competem com o pico de dopamina das apostas. 
- Ciclo vicioso: A necessidade de repetir o comportamento se torna incontrolável, mesmo com prejuízos financeiros e emocionais. 

“O vício em apostas não é falta de caráter, é uma reconfiguração química do cérebro, que passa a enxergar o jogo como necessidade vital" – Lucas Spanemberg. 
 1 em cada 5 apostadores desenvolve comportamento compulsivo, segundo a OMS. Clínicas de reabilitação no Brasil já tratam dependentes que perdem até 80% da renda com apostas. A compulsividade em apostar pode começar a interferir em diversos aspectos da vida, oferecer prejuízos: financeiros, acadêmicos, familiares. 
Outros sinais de alerta podem incluir: Ansiedade, depressão e baixa autoestima; Sentimento de culpa e de vergonha; Isolamento social; Dificuldade de parar com as apostas; Obsessão por recuperar o que foi perdido com as apostas.

Por trás de anúncios sedutores, músicas chamativas e publicidades feitas por influencers, existe um sistema que se aproveita da vulnerabilidade psíquica das pessoas para atingir objetivos mercadológicos. Blogueiros e influenciadores exploram essa fragilidade, sabendo do poder que têm de criar desejos de consumo. No caso dos jogos de aposta, isso muitas vezes envolve o impulso de recuperar dinheiro perdido, pagar dívidas ou até alcançar uma possível ascensão social, uma promessa ilusória de acesso ao consumo. Quando o influenciador ostenta seus ganhos e seu estilo de vida cotidianamente ele está criando um cenário irreal, gerando uma expectativa fantasiosa de enriquecimento fácil.

Diante desse cenário, torna-se urgente questionar: o que esses influenciadores estão oferecendo enquanto conteúdo? Que tipo de desejo está cultivando em seus seguidores em nome do engajamento? 
Muitos criadores de conteúdo deixaram de ser apenas comunicadores para se tornarem peças-chave de estratégias de marketing altamente lucrativas, à custa da saúde mental e financeira de seu público. É fundamental colocar em xeque os produtos, marcas e estilos de vida promovidos por esses influenciadores, cujo discurso muitas vezes oculta as estruturas de exploração e desigualdade que sustentam um ciclo de frustração, dependência e consumo compulsivo.

O apelo ao consumo e à compulsividade se transforma em fonte de lucro para as empresas, que ganham justamente em cima desse comportamento. Em um país marcado por profunda desigualdade social, a vulnerabilidade se torna terreno fértil para a manipulação — tanto por parte das empresas de Bets quanto dos blogueiros que, sem qualquer responsabilidade com seus seguidores, preferem fechar os olhos para essa realidade obscura. Eles lucram com o sofrimento das pessoas que os admiram.

A dependência em apostas não atinge todos igualmente. Estudos e especialistas revelam dados alarmantes sobre quem está mais vulnerável e por quê: 
- População geral: Entre 0,4% e 0,6% sofrem do transtorno, segundo revisão da Nature Reviews (2019)  
- Hong Kong: 1,8% 
- Austrália: 2% 
- OMS: 1 em cada 100 pessoas (1%) 
- Brasil: 12-15% da população apostava regularmente há uma década, número que cresceu com a popularização das bets via apps  
- Taxa de dependência: 15% dos apostadores frequentes desenvolvem problemas, ou seja, 1 em cada 7. 
Exemplo: Jogos como "tigrinho" (caça-níquel digital) são mais viciantes que loterias, devido ao feedback imediato.

FATORES DE RISCO: GENÉTICA, IDADE E SAÚDE MENTAL 

1. Predisposição genética: Embora genes específicos não tenham sido identificados, há indícios de vulnerabilidade hereditária. 

2. Exposição precoce: Iniciar antes dos 18 anos (quando o córtex pré-frontal, responsável pelo autocontrole, ainda está em desenvolvimento) aumenta o risco. 

3. Transtornos psiquiátricos: Pessoas com depressão, ansiedade ou transtornos de impulso têm maior propensão. - Dados alarmantes no Brasil: - R$ 20 bilhões/mês são apostados online. - 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família apostaram R$ 3 bilhões em agosto de 2024.

Algumas indicações de filmes sobre o tema, que podem ilustrar e contribuir para a compreensão da questão são:
- Golpe Duplo (2015)
- O lado bom da vida (2012)
- Cassino (1995)
- Jóias Brutas (2019)

Não é só uma “modinha”, é um problema de saúde pública. 
Enquanto influencers lucram vendendo a ilusão de ascensão social, milhões de pessoas estão se afundando em dívidas, ansiedade e culpa. O que pode ser lido como apenas uma escolha individual diz muito sobre um sistema que lucra com a vulnerabilidade.

Referências:
BBC News Brasil. Bets e transtorno do jogo: o que acontece no cérebro de pessoas viciadas em bets. BBC News Brasil, 19 nov. 2024. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cq52lg1g898o

SERASA. Entenda qual o significado de Bet. Serasa, 22 nov. 2024. Disponível em: https://www.serasa.com.br/blog/qual-significado-bet/

CNN Brasil. Bets e jogos de azar: quando apostar pode se tornar um vício? CNN Brasil, 5 out. 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/bets-e-jogos-de-azar-quando-apostar-pode-se-tornar-um-vicio/.

CAVALCANTE, Fernando Resende. Em busca de mais excitação: reflexões acerca das apostas esportivas. Movimento, v. 30, 2024. Disponível em: https://www.scielo.br/j/mov/a/9tr5nvPnLcgvjB8QQbk65Nn/.

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